segunda-feira, 29 de março de 2010

NON-GRATA

Quando escrever é

revisitar,

Nem sempre somos

bem-vindos

em nossa própria

memória.

PRESENTE

Quando abri o queijo pela manhã, lembrei-me imediatamente dele. Eu sabia que era um bom queijo, tinha a cor e consistência adequados. Sabia disso porque já fizera um igualzinho, muitos anos antes.

Ferver o leite, adicionar coagulante e sal. Mexer, mexer, mexer. Eu podia me lembrar de cada passo, dos cheiros, da sensação. Quando vivenciamos com o coração, fica difícil esquecer. O Bill gostava, antes de tudo, de compartilhar experiências. Não de explicá-las, não de descrevê-las; fazia questão de fazer junto, de estar presente.

Fazia tanta questão que se fez assim: da onde estou, posso ouvir sua voz, sua risada sincera, sempre sincera. Sinto o toque da sua mão, áspera pela psoríase e ouço claramente ele me chamando:

– Tekebá!

Me chamava assim desde que nasci, e eu nunca soube porquê. Nunca precisei, na verdade: a razão era amor, disso eu sabia.

Se a morte for mesmo apenas uma curva na estrada, lá está ele, atrás de uma das tantas curvas da Serra da Mantiqueira. Não o vejo, mas sei que está ali (ou seria aqui ?), em algum lugar da estrada, tomando um bom vinho português e, quem sabe, ensinando mais alguém a fazer um bom queijo Minas.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Desproporção

Eu sempre tive medo
de o amar desproporcionalmente.
Era o meu único medo.

Não teve um único momento que não o tivesse olhado com um frio na barriga: amava tanto que toda despedida era com ansiedade, que cada sorriso era uma presente que eu agradecia mentalmente.

Até que perdi. Me perdi e o perdi.
Fui perdendo aos poucos, duvidando, achando que a distância era normal. Mas a desculpa de distância era só a física, não a real. Ser entregue a alguém não deveria ser um esforço, mas uma necessidade. Eu fazia esforço para não ser tão entregue, queria pular de cabeça, arriscar tudo, comprar apartamento em Santa Teresa - e não alugar.

E nunca deixei de ter planos, sonhos, paixão. Se alguma hora deixei de demonstrar isso, foi pelo bendito medo de querer demais,
de ser desproporcional.

E fui. Com medo e tudo.

Alívio

Cada pensamento de rocha, bruto, sujo,
magicamente
vira grafite, e só grafite,
quando sai da cachola pro papel.